Diário de uma Seriólica em Quarentena
| 06 Abr, 2020

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“Estar de quarentena não é assim tão mau, podes aproveitar e pôr as tuas séries todas em dia!”, dizem vocês.

Hm, não.

Entrei em modo quarentena há quase um mês. Trabalho para uma multinacional e em consequência disso comecei a receber comunicações sobre o desenvolvimento do COVID-19 há mais de um mês. Desde o dia 4 de março que não vou ao escritório e optei por começar a fazer isolamento social desde essa altura também.

Ora, deixem-me que vos diga que a minha rotina normal é uma coisa um tanto ou quanto movimentada. Ginásio de manhã, trabalho até as 17h30/18h no escritório, ir beber um café aqui ou ali com os amigos, jantar, ver umas séries à noite. Há um mês tudo isto mudou.

Dou por mim várias vezes a pensar ‘Joana, agora tens mais do que tempo para ver todas aquelas séries que foram ficando para trás. Assim como assim estás muito mais tempo em casa!’. Isto era muito bom se fosse verdade.

Estar em casa a trabalhar e a fazer tudo o resto torna isto tudo muito mais difícil. O local de descanso (a minha casa) é agora o meu constante local de trabalho, o meu local de exercício, o meu local para toda a alimentação. Já não sei o que é o quê, quantas séries deixei para trás, quantas horas passo a trabalhar. Horário já só existe o que os meus gatos exigem para que os alimente.

Tenho visto muitos lives de Instagram, recebido muitas mensagens de pessoas com quem não contactava há uma vida. O número de videochamadas no trabalho e entre amigos e família sextuplicou. E acima de tudo, no espaço de um mês, o meu cansaço emocional aumentou imenso.

No espaço de um mês não vi quase série nenhuma. Se vos confesso como deve ser, as únicas séries que vi na quarentena foram a 3.ª temporada de Élite, The Protector e Merlin, que estou agora a rever passados oito anos.

Nisto, perco a conta a todas as que faziam parte do meu dia a dia e nunca mais vi desde que isto da quarentena começou. Doctor Who, The Good Doctor, toda a panóplia colecionável da DC, enfim… Talvez como todos vós que acompanham mais do que uma ou duas séries, também eu tinha mais ou menos calendarizados os dias de saída dos novos episódios e ia-me orientando, o melhor que pudesse, para as ver todas.

A sanidade mental não está a 100%. O corpo pede que esteja 110% ativa ou 110% vegetal. Quando estou ativa, vejo todos os lives dos ginásios no Instagram e faço os treinos todos. Quando sou um vegetal dou por mim a ligar a TV, abrir a Netflix ou a HBO e passar 30 minutos a decidir o que vou ver. Quando finalmente escolho, apercebo-me de que já é meia noite e é melhor ir deitar-me que amanhã é outro dia.

Talvez parte de mim queira não ver as séries que normalmente acompanham a minha rotina para que também elas não passem a fazer parte desta nova rotina à qual não me quero habituar. Quase como se quisesse poupar essa parte da minha vida a isto tudo.

“Estar de quarentena não é assim tão mau, podes aproveitar e pôr as tuas séries todas em dia!”, dizem vocês.

Esta história da quarentena, sem nos apercebermos, muda a nossa vida. É certo que me posso dar por feliz por não estar na linha da frente do combate a esta pandemia, mas essa não é a minha luta. A minha luta é fazer a minha parte, o meu esforço, e ficar em casa. Isolada.

No meio destas trocas e bagunceiras do quanto a nossa vida deu cambalhotas nos últimos dias, quase me arrisco a dizer que os canais que se safam são os de streaming. Tanta escolha, tanta coisa para ver. Fica só a faltar a vontade e a motivação, mas isso logo se arranjará.

Devia acompanhar-me de séries e, de facto, como vocês dizem, aproveitar para as pôr a todas em dia. Devia, mas não o estou a fazer. Talvez por preguiça, por ainda não ter conseguido lidar bem com o que significa estar fechada, ou porque toda esta enchente de informação digital e conexão virtual – que, atenção, ainda bem que existe – esteja a exigir um bocadinho demais de mim.

Resta-me desejar que tudo isto não passe de uma fase e que todos vocês, ao contrário de mim, estejam de facto a aproveitar para pôr as vossas séries em dia.

Joana Henriques Pereira

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