Ver o primeiro episódio de O Eternauta (El Eternauta), na Netflix, logo depois de termos passado por um apagão real, foi uma coincidência curiosa que pôs tudo em perspetiva. De repente, a distância entre ficção e realidade encurtou. A predisposição para ver este tipo de história muda quando acabámos de viver, ainda que brevemente, um cenário semelhante: ruas às escuras, comunicações falhadas, teorias a fervilhar nas conversas, aquela impotência coletiva que nos faz olhar para o céu e pensar: “e agora?”. Não é o tipo de espírito com que costumo ver uma série, mas acabou por ser o ideal para esta. Aquela sensação familiar do desconhecido pairava no ar e, com isso, o episódio ganhou uma camada extra de tensão.
Quanto ao que realmente interessa: o episódio, em si, é competente e intrigante. Não explica muito, nem tenta contextualizar demasiado e isso é, sem dúvida, uma vantagem. Seguimos pessoas normais nas suas rotinas, quando algo de estranho começa a acontecer. E não temos uma visão omnisciente, não somos Deus a assistir de cima. Somos apenas mais uns sentados à mesa daquele jogo de cartas, a observar. Como se diz no episódio, “quem está de fora, não pode falar” e essa frase define bem o tom escolhido. Assistimos com a mesma limitação dos personagens. Estamos lá com eles e não sobre eles.
O maior ponto fraco, para já, são as próprias personagens. Nenhuma me pareceu especialmente rica ou memorável. Mas talvez seja esse o propósito: um acaso fez com que estivéssemos ali, naquela cartada em particular, ao lado de Juan Salvo, interpretado por Ricardo Darín. É nele que vamos centrar a nossa atenção daqui para a frente e o interesse da série depende muito disso. A promessa parece ser a de irmos recebendo respostas apenas quando ele também as tiver, um mergulho gradual no mistério. Mas se não nos importarmos com o que lhe acontece, metade do apelo desvanece. Espero, por isso, que a escrita saiba encontrar um equilíbrio entre o enigma e o investimento emocional.
A nível de realização, a série mostra-se bastante competente. A imagem escura, quase opressiva, é uma boa tradução visual do que se vive: primeiro, tudo às escuras, literalmente e figurativamente; depois, no fim do episódio, um pequeno vislumbre de luz, não apenas física, mas simbólica, uma promessa de que algo vai acontecer e que talvez seja possível resistir.
Não li o material original em que O Eternauta se baseia, portanto não posso julgar a sua fidelidade. No entanto, neste caso, vejo isso como uma vantagem: estou completamente às cegas, sem ideia de como a história se pode desenrolar ou sequer do que verdadeiramente está a acontecer. É esse mistério, essa sensação de descoberta iminente, que neste momento me agarra. O episódio não me fez apaixonar de imediato pelo protagonista, mas deixou-me suficientemente curioso para querer segui-lo. Acredito que, à medida que o mundo for desvendado, a empatia por ele se construa naturalmente.
Em suma, o primeiro episódio de O Eternauta fez aquilo que devia: lançou as bases, instalou a dúvida, manteve o mistério. Não deu demais, mas deu o suficiente. Do meu lado, sigo viagem com Juan Salvo até que, finalmente, se faça luz.
Todos os episódios de O Eternauta já estão disponíveis na Netflix.