Confissões (e desabafos) de uma seriólica (Parte 2)
| 25 Nov, 2017

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Depois de em agosto ter lançado uma crónica em que fazia umas quantas confissões acerca da minha vida como seriólica, apercebi-me que muita coisa tinha ficado por dizer e que tinha o suficiente para lançar a segunda parte, com mais uma série de observações com as quais penso que alguns de vocês poderão identificar-se. Vamos a isso?

1. Já tentaram explicar a um amigo que não vê séries porque é que histórias e personagens ficcionais são tão importantes para vocês? Então devem ter ficado a sentir-se tão frustrados quanto eu! Provavelmente levaram com um revirar de olhos, com um comentário sobre a vossa falta de sanidade mental ou algo do género. Ok, os meus olhos podem brilhar quando falo das minhas séries ou personagens favoritas, mas sei que são ficcionais, não estou doida! Só que acompanhar séries sem sentir qualquer emoção não faz muito sentido para mim. Não tenho vergonha de admitir que já chorei a ver Grey’s Anatomy, Parenthood, Orange Is the New Black ou Once Upon a Time, precisamente porque tenho uma ligação àquelas histórias e personagens.

2. Desde pequena que tenho uma clara preferência por personagens femininas, talvez porque me consigo identificar mais facilmente com elas. Então se tiverem o seu quê de flawed, badass ou bitch ainda melhor! Se remontar aos meus dez anos lembro-me que já na altura gostava daquelas vilãs que não tinham um fundo totalmente mau. Por outro lado, sempre gostei também dos underdogs, quase como se quisesse protegê-los.

3. No mundo das séries (do cinema e literatura também) parece haver muitas vezes a necessidade de dar um final feliz à história. É certo que o mundo real já é negro o suficiente e que não há mal nenhum em colorir um pouco as coisas quando se trata de ficção, mas, em pleno século XXI, a noção de felicidade parece-me bastante antiquada. Isto porque, na esmagadora maioria das vezes, tudo acaba com a constituição de família, com um casamento (ou outra espécie de relação duradoura) e crianças. Contudo, muitas pessoas sentem-se verdadeiramente realizadas com a carreira, com amizades sólidas, com uma vida estimulante que envolve viagens, culturas e pessoas diferentes.

4. Eu percebo que um produto que tem sucesso e dá dinheiro não seja descontinuado, mas há várias séries que são anunciadas como tendo um número limitado de episódios e que acabam por ser renovadas. Outras são inspiradas em livros, mas prolongam a história para além do material de base. Nalguns casos até faz sentido, mas sempre pensei o criador de uma série devia ser capaz de definir aquilo que quer contar e o momento em que a história acaba. É muitas vezes esse ‘arrastar’ da narrativa que faz uma série perder a sua essência.

5. Porque é que os personagens morrem e voltam à vida? As séries de fantasia não respeitam as leis da ciências e é possível regressar do mundo dos mortos, mas é difícil encarar com seriedade a morte de um personagem quando pensamos que há de voltar. E há mesmo necessidade de o fazer com tanta frequência? É isso e em séries como Once Upon a Time haver sempre um monte de coisas incontornáveis, como as maldições lançadas, mas que depois se resolvem. Ao início é sempre tudo impossível, mas rapidamente se torna possível e às vezes com demasiada facilidade. Desaponta-me que praticamente nada seja definitivo.

6. Não sou pessoa de fazer muitos comentários quando estou a ver uma série (para mim o ideal é vê-las sozinha, no meu quarto, com tudo em silêncio e às escuras, sem interferências do mundo exterior), mas às vezes é inevitável insultar um personagem, mandá-lo bugiar, dizer-lhe para não fazer isto e fazer aquilo ou soltar exclamações de contentamento e ternura. Também é nessas alturas que podemos percebemos que somos perturbados. Exemplo máximo: quando a Evil Queen faz algo maléfico e, ainda assim, eu consigo achá-la adorável. Provavelmente ela matar-me-ia por lhe chamar tal coisa, mas agora que Regina encontrou o caminho certo para a expiação já não tenho de me preocupar.

7. Muitas vezes dou por mim na minha vida, a fazer alguma tarefa ou a trabalhar, mas com a mente ocupada pelas séries. Às vezes é com acontecimentos específicos como quando Arizona perdeu a perna em Grey’s Anatomy, Amelia descobriu que tinha um tumor; quando, em Orange Is the New Black, Piscatella torturou Red à frente da família; ou Hannah se suicidou em 13 Reasons Why. Outras vezes, também influenciada pelas séries, começo a matutar em certos temas, como a violência doméstica e o bullying.

8. Quando uma série me toca de alguma forma em especial tenho a necessidade de falar e/ou escrever sobre ela. Estou tantas vezes a ver uma série e a pensar no que quero escrever na crónica! Parece que só encerro o ciclo de uma série quando ponho por escrito aquilo que me vai na mente.

9. Depois o subconsciente também prega aquelas partidas de me fazer sonhar com séries. Aqui há alguns anos, no período em que mais vibrava com Grey’s Anatomy, por várias vezes sonhei com isso. Normalmente era com parvoíces divertidas, mas houve outra vez, que até acho que aconteceu na véspera da emissão de um episódio traumático para a relação de Callie e Arizona, em que sonhei que elas estavam a divorciar-se. Mal sabia eu o quanto tudo iria piorar!

10. Porque é que os bebés e as crianças desaparecem constantemente das séries? Os personagens principais têm filhos, mas às vezes passam-se quase temporadas inteiras sem os vermos. As crianças parecem mais ‘acessórios’ do que personagens, o que é uma pena. Não só porque não é muito realista que um bebé ou um miúdo pequeno nunca apareça com o pai ou a mãe, mas porque as crianças são adoráveis, é engraçado vê-las crescer no ecrã e poderia ser interessante torná-las realmente parte da história.

11. É frequente quando ocorrem ataques terroristas ou eventos violentos no mundo real que certos episódios de séries sejam afetados por essa realidade. Numa tentativa de não ferir suscetibilidades, alguns deles não são transmitidos, outros são adiados ou editados de forma a serem mais suaves, como aconteceu recentemente com American Horror Story: Cult. Um episódio que envolvia um tiroteio foi transmitido pouco depois do massacre ocorrido em Las Vegas, vitimando várias pessoas que assistiam a um festival de música. Ryan Murphy disse, na altura, que achava desnecessário emitir algo “explosivo ou incendiário”que poderia desencadear traumas em vítimas de crimes com armas. Eu entendo o respeito pelas vítimas, não acho errado, mas a verdade é que tudo o que passa na televisão pode surtir o efeito de ‘gatilho’. Acho que bastaria colocar um aviso, no início do episódio, a chamar a atenção para imagens eventualmente chocantes. AHS, nesta temporada, por exemplo, explora uma série de fobias com as quais, certamente, muito espectadores se podem identificar. A televisão mostra uma infinidade de realidades parecidas com a nossa, retrata eventos traumáticos como violações, assassinatos, raptos… De que forma faz sentido suavizar umas coisas e não outras?

12. Adorar um personagem por vezes é difícil porque quando faz algo questionável existe aquela dicotomia entre repudiar o comportamento, mas não ser capaz de ficar propriamente contra ele. Lembro-me de uma situação em particular, complicada para mim de gerir, quando, em Grey’s Anatomy, Callie e Arizona lutaram pela custódia de Sofia. A Callie é a personagem do mundo das séries que me é mais querida, mas faz coisas estúpidas e que me deixam zangada. Provavelmente a mais estúpida de todas foi quando decidiu ir para Nova Iorque com Penny e assumiu automaticamente que Sofia também iria. Callie pode ser a mãe biológica de Sofia, mas Arizona também a criou, são ambas mães. Não acho que uma tenha mais direitos (não estou a falar em termos jurídicos) em relação à criança do que a outra. Callie deveria ter sido sensível o suficiente para abordar o assunto com Arizona e arranjar uma forma de fazer a mudança resultar. Não o fez. É claro que Arizona se sentiu magoada! Mas também não agiu da melhor maneira porque não chamou Callie à razão (o quanto ela às vezes precisava disso!) e não a fez ver que aquilo era injusto. Decidiu antes retaliar, o que as levou a uma infeliz situação em tribunal. Eu fui fraca; quando as coisas se intensificaram e se tornou claro que se tratava de Callie vs. Arizona, cedi e a minha sensata imparcialidade terminou ali. Tomei o partido de Callie, desejei que fosse ela a ficar com Sofia. Sabia que o sofrimento de qualquer uma daquelas mães me deixaria triste, mas sabia que o de Callie me custaria mais. Não escolhi o lado dela por achar que tinha razão, mas porque é dela que mais gosto. No entanto, odiei o que Callie permitiu que a sua advogada dissesse de Arizona. Senti vergonha por Callie, que possivelmente também se sentiu envergonhada por o ter permitido. Depois Arizona ganhou a custódia e eu fiquei desiludida. Durante todos os momentos em que Callie se sentiu miserável, eu não pensei que ela tinha ajudado a causar aquilo a ela mesma, mas tinha. As duas fizeram aquilo, a ambas e àquela criança. Por outro lado, muito antes disso, quando Arizona se envolveu com Lauren, eu pensei que a ia odiar – queria odiá-la – pelo que estava a fazer a Callie, mas também não consegui – confesso é que me diverti tremendamente quando Callie disse à frente dos amigos todos o que Arizona tinha feito.

13. Tenho casais queridos no mundo do cinema, em livros, até celebridades, mas foi no universo das séries que senti isso com maior intensidade. Dei por mim a ter ‘fé’ em relações amorosas como nunca tive na vida real (e certamente como nunca tive em termos religiosos) e depois a ver isso completamente destruído. Conhecem aquela sensação um pouco cínica de pensar que o amor está morto quando um casal de quem gostam muito termina? Mais uma vez, Callie e Arizona chamadas à receção! Aquilo arrasou comigo porque, ao início, elas eram perfeitas: adoráveis, engraçadas, essas coisas todas. Só Shonda Rhimes para conseguir estragar algo assim! Tive esse sentimento de love is dead também quando Julia e Joel de Parenthood pareciam ter colocado um ponto final no casamento, mas ao menos com estes a coisa resolveu-se!

Diana Sampaio

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